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Porque Malandro?

Por: Pai Alexandre Falasco

Porque Malandro?

A linha da Malandragem e a origem do termo.
 

Para falar da linha de Malandros precisamos conhecer seu Zé Pelintra.

Seu Zé Pelintra é uma figura presente tanto na Umbanda quanto no Catimbó. Ele é reverenciado como um malandro boêmio carioca e um mestre catimbozeiro de grande sabedoria.

Como mestre de Catimbó, Seu Zé Pelintra é conhecido por sua capacidade de cura, seu conhecimento sobre ervas medicinais e suas habilidades na manipulação de energias.

A figura de Seu Zé Pelintra também aparece no Rio de Janeiro durante o século XIX onde era conhecido por ser um verdadeiro conquistador, gostava de se vestir elegantemente e frequentava ambientes boêmios, como bares, cabarés e casas de jogo.

No Barracão, frequentemente ouço Seu Zé do Cosme, entidade trabalhadora da linha de malandros, orientar que, ao adentrarmos um lugar desconhecido ou novo, devemos chama-lo para entrar conosco, ou até mesmo pedir para que entrar na frente.

Muitas pessoas buscam a ajuda de Seu Zé Pelintra para questões relacionadas ao amor, dinheiro, trabalho e proteção nos lugares de seu domínio.

Na Umbanda, a gira de malandros é uma cerimônia dedicada a Ele, Seu Zé Pelintra.

"Malandros" é terno romantizado por Machado de Assis para se referir ao bamba, ao negro que defendia sua cultura. E é nesse sentido que damos o nome dessa gira e não no sentido pejorativo.

Durante essa gira os médiuns incorporam os espíritos que assumem características e comportamentos parecidos com seu mestre José Pelintra. Podem se vestir de forma elegante e sofisticada, utilizando trajes como chapéus, terno branco, gravata, sapatos sociais, entre outros elementos típicos. Como também podem aparecer de forma mais simples, como sambistas com suas camisetas listradas e baralho nos bolsos.

Os malandros são vistos como espíritos que possuem experiência e sabedoria, embora possam ter tido uma vida terrena ligada a aspectos da marginalidade, como boemia, jogo, e outros vícios. Eles são considerados espíritos que transitam entre os diferentes planos espirituais, trazendo consigo suas histórias de vida e conhecimentos adquiridos.

Voltando ao Seu Zé Pelintra, vale ressaltar que é uma das poucas divindades que possui histórias com registros reais. Vou descrever um relato que me foi dado por um amigo que mora no Rio, Fabio Feliciano, que faz parte do Santuário do Zé Pelintra, na Lapa.

  1. Seu Zé pelintra tem sua origem no século 16 na cidade de Exu no estado de Pernambuco com o nome de batismo de José Santana de Aguiar, filho de um imigrante português chamado José Phelintra de Aguiar com uma ex escrava. Se inicia no culto de catimbo de jurema e falece aos 114 anos por causas naturais em Pernambuco. Esse Zé nunca veio ao Rio de Janeiro, ele se encanta e se torna um mestre de catimbó. No século XIX também na cidade de Pernambuco nasce José Gomes da Silva que chega ao Rio de Janeiro através do cais do porto e se integra a cultura das maltas de Capoeira de onde se origina a malandragem. Quando chega já encontra malandros como Miguel Camisa Preta, Edgar, Meia Noite, 7 Coroas, entre outros. Com Camisa Preta Zé aprende e revoluciona o segmento da malandragem, terno romantizado por Machado de Assis para o bamba, o negro que defendia sua cultura. Esse mesmo Zé passa a ter incorporação com o mestre Zé pelintra de Aguiar, o mesmo do século 16 e faz curas no morro de Santa Tereza (fato histórico comprovado) e daí nasce o segmento e a falange dos Malandros. 

Apesar de meu amigo citar Machado de Assis, eu não tenho informações sobre isso, mas podemos também acrescentar que o termo "malandragem" ou "malandro" tem muitas outras influências. Vamos a elas.

 

Origens literárias do malandro (séculos XIX e início do XX)


O termo malandro já aparece na literatura brasileira do século XIX associado a personagens pícaros. Manuel Antônio de Almeida, em Memórias de um Sargento de Milícias (1854), criou Leonardo, considerado por Antonio Candido "o primeiro grande malandro" da novelística brasileira[1]. Embora Leonardo não seja um "pícaro" no sentido ibérico, sua esperteza e forma de vida inspiraram uma tradição literária própria, o "romance malandro"[1]. Na passagem para o século XX, cronistas cariocas como Machado de Assis, João do Rio e Lima Barreto começaram a traçar o perfil do malandro urbano, caracterizado pela ironia, carisma e desprezo pelo trabalho formal (embora ainda não houvesse uma "romantização" explícita). Nesses relatos iniciais, o malandro surge de modo ambíguo: tanto figura charmosa e cômica como anti-herói à margem das regras sociais.


Malandragem no samba e na cultura popular (décadas de 1920-1930)

Com a urbanização pós-abolição, sambistas e malandros passaram a ser retratados juntos como símbolos nacionais. Pesquisas apontam que, já na virada do século, consolidou-se "um imaginário que associava sambistas, malandros e pureza cultural"[2]. Na prática, o samba princípio como expressão "comportada" e erudita logo se tornou ligado à boemia dos morros: sambistas de Estácio, Mangueira e Portela entoavam letras sobre "orgia", "malandragem" e "vadiagem" na década de 1920[3]. Por exemplo, o samba "A Malandragem" (1927) de Bide, gravado por Francisco Alves, narra irônicamente um malandro prestes a abandonar a vida de devassidão[3]. Outros compositores populares da época - como Ismael Silva, Noel Rosa, Wilson Batista e Geraldo Pereira - também exploraram o tema nas letras de sambas e marchinhas, associando o malandro à esperteza e à vida boêmia[3][4].

O malandro era frequentemente apresentado como figura simpática, estrategista capaz de driblar adversidades. Assim, já nos jornais policiais havia manchetes "romantizadas" sobre a vida nos morros, mostrando sambistas e malandros como "pessoas simples" que cantam sambas mesmo em meio ao crime[5]. Nessas narrativas, o Rio antigo e seus redutos da boemia (como a Lapa e o Estácio) ganham aura de refúgio cultural da classe trabalhadora. Esse imaginário acabou vinculado à identidade nacional: como observa Tiago Gomes, o malandro dos anos 1920 combinava astúcia com ingênua vivacidade popular, projetando a imagem de um Brasil "ainda jovem" com potencial promissor[6]. Em resumo, nas festas do povo (samba e carnaval) da República Velha o malandro foi pouco a pouco romantizado como representante típico da "alma carioca".


Teatro de revista, cinema e malandragem

Paralelamente ao samba, o malandro ganhou espaço no teatro de revista (revista carioca) e no cinema musical. Nas revistas teatrais da década de 1920 destacavam-se personagens malandros que caricaturavam as classes populares. Por exemplo, na revista Seu Julinho Vem! (1929), de Freire Jr., o "Malandro Vagabundo" entra em cena vindo do morro como símbolo de salvação e humor urbano, concentrando várias facetas da malandragem nacional[6]. No cinema, as primeiras chanchadas (musicais cômicos) exploraram o contraste entre o carnaval festivo e a "ordem" burguesa: filmes como Voz do Carnaval (1933) e Alô, Alô Carnaval! (1936) giravam em torno do carnaval e do malandro, celebrando o "modernismo carioca" e o cotidiano popular[7]. Em sambas de de Bide a Zé Keti e nas marchinhas radiofônicas, o malandro era figura recorrente do enredo carnavalesco, geralmente trajado de terno claro, chapéu Panamá e navalha, imagem que viria a ser imortalizada em desfiles e blocos carnavalescos. Essas manifestações artísticas ajudaram a eternizar o malandro não como criminoso perverso, mas como anti-herói brincalhão e protetor informal do mais humilde.


Estado Novo e sanitização do malandro (1937-1945)

Com a chegada de Getúlio Vargas e do Estado Novo, houve esforço oficial em "purificar" a imagem do malandro. O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) buscava moldar o "novo homem brasileiro" trabalhador, o que incluía coibir representações que exaltassem a preguiça ou a baderna. Nesse contexto, surgiram sambas em que a tendência já não era mais exaltar o malandro, mas "regenerá-lo pelo amor e pelo trabalho"[4]. Isso não significa que o malandro desapareceu da arte: ao contrário, a figura continuou presente em música e teatro, mas retratada de modo nostálgico ou moralista. Wilson Batista, por exemplo, polemizou com Noel Rosa em 1933 justamente porque seu samba Lenço no Pescoço glorificava o malandro, enquanto Noel retrucava com um jovem "rapaz folgado" que defendia o trabalho honesto. A fábula do malandro então passou por tensão: ele permanecia como arquétipo folclórico popular, mas havia o esforço de enquadrá-lo nos valores do regime[4][8]. Vale lembrar que, nas religiões afro-brasileiras, entidades como Zé Pilintra encarnam a malandragem na forma de espíritos de proteção; ele é cultuado como um patrono sábio, divertido e protetor dos humildes e oprimidos[8]. Esse sincretismo reforça que, no imaginário popular, o malandro (como Zé Pilintra) ganhou conotações positivas de resistência e amparo comunitário[8].


Malandro na cultura contemporânea e estudos acadêmicos

Hoje em dia o malandro é sobretudo figura romantizada. Pesquisadores ressaltam a ambiguidade desse termo: como observa Giovanna Dealtry, chamar alguém de malandro pode ser elogio (aproveitou a oportunidade) ou xingamento (trapaceiro), dependendo do contexto[9]. Em geral a cultura popular cultua o malandro por sua esperteza, humor e jeitinho brasileiro, traços valorizados como "esperteza positiva" ou malandragem criativa, sobretudo em uma sociedade com fortes desigualdades. Por exemplo, sambas atuais e autobiografias de sambistas ressaltam a coragem do malandro em desafiar a ordem (um tipo de resistência popular) e proteger os fracos. Em termos formais, a romantização aparece quando vemos o Rio antigo descrito como "reduto da malandragem" glamorizado[10], ou quando heróis culturais (como o Zé Carioca, Moreira da Silva, o "Kid Morengueira" e até personagens do cinema) incorporam o estereótipo do boêmio sagaz. Obras-chave que cristalizaram esse imaginário incluem músicas clássicas (Malandro é malandro, mané é mané), o espetáculo Ópera do Malandro (1978) de Chico Buarque e peças literárias. Em paralelo, estudiosos do século XXI publicam trabalhos como a tese de Dealtry No fio da navalha, malandragem na literatura e no samba (2009), que analisa em profundidade as múltiplas faces do malandro brasileiro. Em suma, a partir do fim da década de 1920 e especialmente após o Estado Novo, a figura do malandro deixou de ser vista apenas como delinquente: tornou-se um símbolo cultural de astúcia, boemia e solidariedade popular[8][10].


Principais referências e manifestações:
- Literatura do século XIX: Manuel Antônio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias, 1854) introduziu Leonardo, o primeiro personagem malandro da literatura nacional[1].
- Samba dos anos 1920/30: Compositores cariocas, Noel Rosa, Wilson Batista, Moreira da Silva, Geraldo Pereira ? popularizaram o tema do malandro em suas letras, associando-o à esperteza e à resistência do pobre[3][4].
- Teatro de revista e cinema: Revistas musicais (ex.: Seu Julinho Vem!, 1929) e chanchadas (ex.: Alô, Alô Carnaval!, 1936) elevaram o malandro a personagem central, muitas vezes com tom cômico e crítico à ordem estabelecida[6][7].
- Carnaval e cultura popular: Desfiles e blocos carnavalescos celebram o malandro fantasiado; em cultos afro-brasileiros (umbanda/Quimbanda) o rei da malandragem, Zé Pilintra representa proteção e justiça para os humildes[8].
- Estudos acadêmicos: Pesquisas literárias, sociológicas e musicológicas (p.ex. Deals Malandragem na literatura e no samba, Gomes Formas e sentidos da identidade nacional, etc.) documentam como o malandro se tornou símbolo nacional. Notadamente, Giovanna Dealtry observa que, atualmente, a figura do malandro sambista dos anos 1930 é romantizada, e o velho Rio é glamorizado como locus da malandragem[10].


Fontes: Estudos críticos e históricos sobre o tema foram utilizados para esta resposta[1][3][2][6][8][4][10]. Cada trecho acima faz referência às fontes acadêmicas ou jornalísticas relevantes citadas.


[1] revista.ueg.br

https://www.revista.ueg.br/index.php/mediacao/article/view/6751/5439

[2] [5] scielo.br

https://www.scielo.br/j/topoi/a/ZfRvN76ZgymtYMbMbn4T8vS/?format=pdf&lang=pt

[3] Na contramão da ordem burguesa: samba, malandragem e resistência - PCB - Partido Comunista Brasileiro

https://pcb.org.br/portal2/10456

[4] [7] est.uff.br

https://est.uff.br/wp-content/uploads/sites/200/2020/03/tese_mestrado_2013_joice_scavone.pdf

[6] 00- ficha indice 141

https://revistas.usp.br/revhistoria/article/download/18883/20946/22414

[8] O samba, a "purificação" do malandro e o "novo homem brasileiro" - Geledés

https://www.geledes.org.br/o-samba-a-purificacao-do-malandro-e-o-novo-homem-brasileiro/

[9] [10] FAPERJ

https://siteantigo.faperj.br/?id=1598.2.5

 

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