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Corpus Christi e Oxóssi: Uma Curiosidade Sagrada

Por: Pai Alexandre Falasco

Corpus Christi e Oxóssi: Uma Curiosidade Sagrada

Como a festa litúrgica católica se encontra com o orixá da fartura

Nos meus últimos artigos aqui, venho falando de datas móveis do catolicismo e suas "adaptações forçadas" ao nosso calendário do axé, portanto, vamos falar agora do dia de Corpus Christi - celebrado sempre numa quinta-feira 60 dias após a Páscoa, ou seja, dez dias depois de Pentecostes - que é uma festa católica de fé e beleza que une procissões, tapetes florais e o mistério da presença real de Cristo no pão consagrado. Mas, nesse mesmo dia, em Salvador e em terreiros históricos da Bahia - como Ilé Àxé Òpó Àfònjá, Gantois e Engenho Velho -, a celebração ganha novos ritmos e significados. É o dia também dedicado a Oxóssi, o orixá que rege a caça, a fartura e o sustento. Na famosa "Missa de Oxóssi", reunida na Igreja do Rosário dos Pretos, cânticos em iorubá e sons de atabaque se misturam à liturgia católica, enquanto oferendas como axoxô - milho com coco - simbolizam alimento sagrado, que nutre tanto o corpo quanto o espírito.

Oxóssi, o caçador preciso da floresta, e Cristo, que se entrega em forma de pão na Eucaristia, compartilham um profundo símbolo de sustento. É essa: a mesma atitude reverente que guarda o Corpo de Cristo encontra seu eco na religiosidade de Oxóssi, que alimenta a comunidade.

Mas a história de Oxóssi entrelaça-se a outras datas sagradas. No Sul e Sudeste, por exemplo, o dia 20 de janeiro é dedicado a ele - data que coincide com São Sebastião - e também é marcada por homenagens ao orixá Caçador, muito provavelmente por conta das flechas que aparecem na imagem do santo. Já na Bahia, além de Corpus Christi, há outra festa significativa em 23 de abril, em sincronia com o dia de São Jorge. Em Salvador e outras cidades, a celebração acontece com procissões e festas no terreiro, ao som das mesmos tambores e pontos cantados, porque tanto São Jorge quanto Oxóssi são vistos como protetores que enfrentam e vencem desafios.

Essa sobreposição de datas revela que Oxóssi é, simultaneamente, o provedor de sustento e proteção. Seja em Corpus Christi, quando ele representa a fartura sagrada do alimento; seja em 23 de abril, quando ele insiste como figura caçadora; ou em 20 de janeiro, quando suas flechas evocam fé e resistência - Oxóssi permanece como guardião ancestral vivo no calendário dos terreiros.

Portanto, independente de região e datas, temos diante de nós não apenas festas religiosas, mas expressões diferentes de um mesmo espírito de fé: o desejo de nutrição, coragem, proteção e convívio interpessoal através de símbolos que unem tradições, culturas e memórias ancestrais. No fim das contas, Oxóssi não caminha sozinho em seu canto - ele caminha com muitos caminhos, culturais e símbolos de resistência, que se cruzam com o Corpo de Cristo, a coragem de Jorge e a flecha de proteção que nunca falha.
 

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